sábado, 12 de janeiro de 2008

A MULHER QUE JESUS SALVOU

João 8

Esse episódio, que está registrado no capítulo 8 do Evangelho de João, na realidade, começa no capítulo anterior. Jesus estava na Galiléia e os irmãos, que não eram seus discípulos, nem o seguiam, vieram à sua procura para convidá-lo a ir a Jerusalém, para a Festa dos Tabernáculos. Essa era uma comemoração muito importante. Uma das três que reuniam multidões na cidade e no Templo. As outras duas eram a Páscoa e o Pentecostes.
Na Festa dos Tabernáculos era lembrada a peregrinação no deserto sob a liderança de Moisés, no tempo em que o povo habitava em tendas. A festa também marcava a gratidão a Deus e a alegria pelas colheitas de setembro e outubro.
Jesus, a princípio, se recusou a ir. O que os irmãos desejavam era que Ele se revelasse aos sacerdotes e aos líderes religiosos, assumindo a condição do Messias, tão desejado, tão esperado. Queriam também que Ele, ao ostentar publicamente o seu poder, assumisse o ministério messiânico perante o povo. A resposta de Jesus foi: “Eu, por enquanto, não subo”. E liberou os irmãos para irem à festa.
Naturalmente, Ele queria ser aceito como o Salvador, mas como reconhecimento pela fé e não pelos feitos presenciados. Além disso, sua hora não tinha chegado ainda. Mais do que os outros, Ele conhecia a intransigência dos sacerdotes. Não era esse, ainda, o momento de revelar-se como o Filho de Deus. Mas depois decidiu ir. Foi anonimamente, como mais um peregrino, entre tantos.
Nessa época, Jesus já era uma figura de interesse nacional. As opiniões a seu respeito, apesar de divididas e conflitantes, já eram bem definidas:
- Ele é bom. Ele é de Deus.
- Ele é mau. Engana o povo.
Tinha adeptos e defensores e, ao mesmo tempo, inimigos e acusadores.
Os seguidores, ávidos de seus ensinos, se agrupavam ao redor, em multidão, durante toda a semana da festa. Os opositores, embora em menor número, já haviam se organizado e providenciado em guardas para o prender. Mas ninguém tinha tido, ainda, coragem de lhe por as mãos. Nem os soldados, que confessaram nunca ter ouvido ninguém que falasse como Ele.
Jesus se retirou para o Monte das Oliveiras. Na madrugada seguinte, voltou ao Templo. E a multidão o acompanhava, apesar da festa ter acabado. Interessante, também, é que ninguém se queixou de que a hora era imprópria. Ninguém achou que era muito cedo para ir ao Templo. Sim, era cedo, mas Jesus ia falar. Era cedo, mas Jesus ia ensinar. Era cedo, mas o povo queria ouvir. Era cedo, mas o povo queria aprender. Por outro lado, era cedo, mas os que planejavam o mal também já estavam em atividade. Os que precisavam de um pretexto para condenar Jesus também já estavam despertos e agindo. E, desta vez, não trouxeram uma moeda, para que Ele apoiasse ou condenasse o tributo a César. Nem se apresentou um escriba para provocá-lo a se contradizer ou a vacilar na indicação dos mandamentos principais. Desta vez, trouxeram uma mulher apanhada em adultério.
Na verdade, era mais uma cilada contra Jesus. Novamente Ele estava sendo colocado diante de um dilema: se perdoasse, estaria indo contra a Lei de Moisés. E seria fácil incitar a multidão contra Ele. Se condenasse ao apedrejamento, satisfaria a Lei Mosaica, mas estaria indo contra a Lei Romana, que se reservava o direito de aplicar a pena de morte. Uma situação realmente difícil. Desta vez, imaginavam os escribas e fariseus, não haveria saída para Jesus.
Alguém poderia argüir que se a mulher fora surpreendida em adultério, estava faltando a outra parte. Apesar do flagrante, a outra metade tinha sido dispensada. Nesse caso, então, só metade da Lei, que eles tanto queriam ver cumprida é que, realmente, o seria. Mas ninguém disse nada. O silêncio era total, proporcional à gravidade do caso.
A expectativa dos que assistiam à cena era contrastante. De um lado, a maioria dos que desejavam que Jesus conseguisse resolver a questão. De outro, a minoria detentora de poder, que aguardava a confissão de sua derrota.
O que estava claro, naquele episódio:
- Não era a mulher que estava sendo julgada. Era Jesus.
- Não era a condenação da mulher que os sacerdotes queriam. Era a de Jesus.
Proferida a sentença, seria fácil desviar a direção das pedras, para que atingissem, não a ré, mas o Juiz. Ou ambos. Só que... a hora de Jesus, embora próxima, não tinha chegado ainda. Nem a da mulher.
Outro contraste marcante, a meu ver, é entre o terror da acusada e a calma de Jesus. Ele sabia que o risco maior era dele, e não dela, mas, mesmo assim, não perdeu a serenidade.
O momento era dramático! Há poucos instantes, Jesus falava e ensinava. Agora está calado, mas escreve. Escreve na terra. Escreve com o dedo, na terra, no chão. Isso incomodou os fariseus, que repetiram a pergunta. Jesus os chamou à consciência:
- Aquele que, entre vós, estiver sem pecado, seja o primeiro que lhe atire a pedra.
E continuou escrevendo.
Um a um, os acusadores foram se retirando. A começar pelos mais velhos. Só permaneceram Jesus e a mulher. Ninguém resistiu à presença silenciosa de Jesus. Diante do silêncio do Mestre, cada um deixou de lado o aspecto legal da questão, para assumir o significado moral de suas próprias vidas. Agora, nem Jesus, nem a mulher estavam sob julgamento. Cada um, dos que armaram a cena, é que estava sendo julgado e sentindo o peso de sua própria culpa.
As pedras foram esquecidas. O local foi abandonado. A lembrança do pecado dela não era mais relevante. O que contava era a lembrança dos próprios pecados.
Jesus, que estivera inclinado para o chão, levantou e perdoou a mulher. Despediu-a com a recomendação de que não pecasse mais.
Também ela estava consciente do seu pecado. Mas saía levando duas bênçãos preciosas:
- a bênção da vida, da nova vida.
- a bênção adicional do perdão de Jesus.
A gravidade da falta, que a tornava desprezível aos olhos dos outros, era o ponto de partida para a misericórdia de Jesus. Só mesmo o Senhor, para inverter uma situação tão delicada...
Os fariseus tentaram deslocar o foco do julgamento – da mulher para Ele. Só mesmo Ele poderia multiplicar os réus. Mais tarde estenderia, a eles também, a possibilidade do perdão, na cruz do seu sacrifício. Porque só mesmo Ele poderia transformar os envergonhados retirantes da cena em filhos de Deus, novamente integrados no amor do Pai, pela aceitação de seu Filho prometido.
Acho esse episódio de extrema beleza e de riquíssimo significado para nós, os seguidores e seguidoras de Jesus.
Apesar da proximidade que buscamos com o Mestre, apesar de querermos seguir seus ensinos, quantas vezes assistimos acusações ao próximo e participamos de julgamentos, não como defensores. mas como apedrejadores em potencial.
Os apedrejamentos eram práticas anteriores a Jesus. Foram sentenças aplicadas depois de Jesus. Mas não na presença de Jesus.
Julgar e condenar o irmão, ou a irmã, só na ausência de Jesus. Se permitirmos que Ele esteja presente quando alguém estiver sendo acusado, mesmo que a falta seja grave, os pecados que vão aparecer, que vão ser expostos e destacados, serão os nossos. A menos que exerça a função de Juiz, só tem permissão para participar do julgamento e da condenação dos outros, quem não tiver pecado.
Só quem primeiro se julgar e se considerar totalmente livre de pecados é que pode começar o julgamento dos outros. Para quem segue a Jesus, o “vai e não peques mais” é muito mais apropriado. Ele tem reservado para todos os acusados o “nem eu te condeno”. É a bênção do perdão, é a alegria da nova oportunidade, que Ele quer estender a todos os que, arrependidos, buscam a sua proteção porque crêem no Seu nome.
Que Deus nos abençoe e nos ajude a concorrer, não para a morte, mas para a vida restaurada, abundante, do nosso irmão, da nossa irmã.

*Vinte séculos depois, essa mulher continua a ser mencionada pelo pecado que cometeu. Jesus se recusou a condená-la, mas os cristãos ainda não a perdoaram...

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