sábado, 12 de janeiro de 2008

ESTER

Livro de Ester

Esse nome é persa e significa estrela. Entre os judeus, tem o nome de Hadassa, que quer dizer mirta. (ou murta, uma planta aromática). É órfã, criada por Mardoqueu (nome babilônico, derivado da divindade Marduque) ou Mordecai (nome hebraico), da tribo de Benjamim, seu parente. O bisavô de Mordecai, Quis, teria chegado à Babilônia com Daniel, em 605 AC.
A história de Ester pertence ao período entre a primeira volta do Cativeiro e a ida de Neemias e Esdras para Jerusalém.
Jovem de grande beleza, Ester foi escolhida para reinar no lugar de Vasti, como esposa do rei Assuero, que os gregos chamavam Xerxes, filho de Dario e cujo avô materno era Ciro, o Grande. Assuero reinou entre 486 e 465 AC sobre 127 províncias.
Rico, vaidoso, temperamental, o rei demonstra uma instabilidade emocional muito grande. Oscila das atitudes mais drásticas, como destituir sua rainha e ordenar matanças, ao carinho e desprendimento de atender os pedidos de Ester e oferecer-lhe metade do reino. Comparece ao jantar de Ester, declara-lhe seu amor e ali mesmo, enfurecido, decreta a morte de Hamã, seu ministro e um dos convidados. Demagogo e impulsivo, suas leis e seus decretos são sugestões dos auxiliares, que ele aceita e faz vigorar, sem maiores indagações.
Mas é um rei de bom gosto: há beleza em seus palácios e em suas mulheres.
Servir a esse rei deve ter sido um tormento. Seus conselheiros poderiam receber honras e exercer sobre ele a maior influência num dia e, no outro, se despertassem sua ira, poderiam acabar na forca.
Assuero é o autor do decreto mais machista e, por isso mesmo, o mais ridículo que a História registra. Ele determina que o homem seja senhor em sua casa e que se fale a língua do povo do marido. (capítulo 1.22)
A sugestão fora de Memucã, um dos príncipes, cujo objetivo principal não era salvaguardar a autoridade dos maridos, mas destituir Vasti da sua posição de rainha. (versículo 19)
Vasti – essa palavra significa bela. É um título dado a Améstris, uma das esposas de Assuero. Mulher de grande beleza, tinha muitos poderes, também. Recusou-se a atender à ordem do rei que, embriagado, desejava exibi-la aos convidados, transgredindo um costume persa de não convidar mulheres para as festas dos homens. Ela própria tinha oferecido um banquete às esposas dos príncipes e autoridades do reino.
Afastada do poder, por decreto irrevogável do rei, Vasti precisava ser substituída. E isso é providenciado, para que o rei, agora mais calmo, não se lembrasse de sua ex-esposa. Se ela voltasse, sua vingança seria terrível contra os que tramaram o seu afastamento. E conseguiram.
É organizado um concurso nacional de beleza.
Todas as moças de boa aparência e formosura são trazidas de todas as províncias do reino (são 127!). Reúnem-se em Susã, capital do Elão, residência de inverno dos reis persas. Entre elas veio Ester, que foi submetida, junto com as demais, a um longo tratamento de beleza: durante seis meses usou óleo de mirra, apreciado pelo aroma e pelo poder purificador e, por outros seis meses usou as especiarias, os ungüentos e perfumes mais famosos na época.
Entre tantas concorrentes, Ester conquistou a simpatia dos que a rodeavam. E, apresentada ao rei, foi escolhida para ser a rainha.
A vida de Ester era uma sucessão de cuidados com a beleza, escolha de roupas e jóias, comparecimento a festas e banquetes, agradecimentos ao coro de elogios que despertava. A tradição hebraica diz que Ester foi uma das três mulheres mais belas que já existiram. Os adjetivos usados para ela são os mesmos dedicados a Betsabá, mãe de Salomão. (II Samuel 11.2)
Por intrigas de Hamã, o Segundo do reino, o povo de Ester é condenado ao extermínio. Não cumpria as leis do rei (capítulo 3.8). Mordecai comunica o fato a Ester e pede que ela interceda, junto ao rei pelo povo. Ela considera a tarefa muito difícil e recebe de Mordecai uma resposta enérgica:
“Não imagines que, por estares na casa do rei, só tu escaparás, entre todos os judeus. Porque, se de todo te calares agora, de outra parte se levantará para os judeus socorro e livramento, mas tu e a casa de teu pai perecereis; e quem sabe se para tal conjuntura como esta é que foste elevada a rainha?” (capítulo 4.13 e 14)
E, então, a história chega à sua culminância.
Ester, que precisou de um ano de tratamentos para apresentar-se ao rei pela primeira vez, agora não se preocupa com produtos de beleza, roupas ou jóias. O momento é muito grave. Pede ao povo que ore e jejue e é isso que faz também, junto com suas servas, por três dias, usando vestes de súplicas.
“Abandonou suas vestes suntuosas e vestiu-se com roupas de aflição e luto. Em lugar de perfumes refinados, cobriu sua cabeça com cinza e poeira. Ela humilhou com aspereza o seu corpo e as tranças desfeitas de seus cabelos cobriam aquele corpo que antes se comprazia em adornar”.
O texto grego, que é lido junto com o hebraico, nas festas de Purim, transcreve a oração de Ester. Em sua aflição, compreende que só o Senhor pode livrar o povo e pede coragem para agir e sabedoria para falar:
“Ó meu Senhor, nosso Rei, tu és o Único!
Vem em meu auxílio, pois estou só
e não tenho outra proteção fora de ti,
pois vou expor a minha vida”.
...
“A mim dá-me coragem,
Rei dos deuses e dominador de toda autoridade,
Põe em meus lábios um discurso atraente
quando eu estiver em face do leão,
muda seu coração, para ódio de nosso inimigo,
para que ele pereça, com todos os seus cúmplices”.
...
“Ó Deus, cuja força a tudo vence,
ouve a voz dos desesperados,
tira-nos da mão dos malfeitores
e a mim, livra-me do medo”.
(Bíblia de Jerusalém)
Não há mérito nenhum em fazer-se de forte, quando a situação desperta medo e a pessoa está atemorizada, apavorada. Ester tem a coragem de confessar seu medo e pede o auxílio do Deus justo e verdadeiro. Não é em si mesma que confia, mas no Senhor.
Ao terceiro dia, Ester se aprontou com seus trajes reais e apresentou-se ao rei, com o risco de sua própria morte, pois não fora chamada.
Registra o texto grego que, quando Assuero olhou para ela, Ester apoiou a cabeça na serva que a acompanhava, empalideceu e desmaiou.
“Ansioso, o rei precipitou-se do seu trono e a tomou nos braços até que ela se recuperasse, reconfortando-a com palavras tranqüilizadoras: Que há, Ester? Eu sou teu irmão! Ânimo, não morrerás! Nossa ordem só vale para os súditos. Aproxima-te! Ergueu seu cetro de ouro, ele o pousou no pescoço de Ester, beijou-a e lhe disse: Fala comigo!”
A rainha começa a falar e, novamente desmaia.
Ainda não é o momento de falar. A sabedoria, tão implorada a Deus, impõe autocontrole e o uso de palavras certas no momento certo. Não é o pedido de uma esposa ao marido, que vai fazer. Interceder pela vida de seu povo e pela sua própria, é um ato político. O desespero foi exposto diante de Deus. Diante do rei tem que mostrar-se firme, serena e segura.
Como política, Ester se revela mais capaz do que Hamã, o mau conselheiro do rei. Com muita sabedoria, usando argumentos válidos, consegue inverter a situação: o povo é autorizado a reagir e se defender. Quem perde a vida é Hamã. Mordecai é elevado a Segundo do reino, tendo o direito de usar o sinete real.
Outra mulher merece destaque nessa história: Zeres, esposa de Hamã. Ela foi um reflexo do marido. Seu conselho, de construir uma forca para executar Mordecai, reflete o modelo de violência de Hamã. Lamentavelmente, a identificação com o marido foi a ruína de toda a sua casa. Capítulo 5.14 .
Essa é a história de Ester, uma Rainha, uma primeira-dama que não se limitou a figurar nas crônicas sociais, mas marcou seu tempo. Percebendo a realidade, corajosamente assumiu o papel de redentora de um povo. Se havia algo a ser feito, ela o fez, expondo sua vida. Se perecer, pereci, disse. Preferiu correr o risco, a arcar com a culpa, pela omissão.
A ascensão de Mordecai e a conversão de muitos à fé judaica foram as conseqüências do episódio. Para memória desse grande feito, o dia da resistência foi convertido em festa nacional – a festa de Purim, precedida de jejum, que ainda hoje se comemora. A história de Ester – ou Hadassa – é contada em hebraico, em grego ou na língua entendida pela congregação.
O final da história não é muito do meu agrado. Só posso entendê-lo à luz da época e da violência que ainda hoje caracteriza aquela região e aqueles povos. Acho que Ester se excedeu na punição dos inimigos. Faltou a ela grandeza na hora da vitória. O que não desejava ao seu povo, permitiu que se fizesse aos filhos de Hamã e mandou pendurar os dez na forca.
Assuero não durou muito depois desse episódio, que aconteceu no ano 474 AC. No ano de 465 ele foi assassinado por Artabano, Segundo do reino, que ocupava, portanto, o lugar de Mordecai. Nesse intervalo, Vasti reocupou sua posição, apesar dos esforços dos nobres para impedir sua volta. De Ester e Mordecai, não se fala nesse período. Provavelmente teriam morrido ou caído do poder. Talvez tivessem se cumprido as palavras de Mordecai:

“E quem sabe se para tal conjuntura como esta
é que fosse elevada a Rainha?”

A partir do estudo sobre Ester, podemos analisar o seguinte:
A mulher e a obrigação de ser bela, jovem e elegante, para ocupar em trono e reinar... sobre fogão e panelas, sobre fraldas e mamadeiras. Os sacrifícios a que tem de se submeter para conservar a boa forma e a beleza:
- as dietas, os exercícios, as massagens...
- as horas e o dinheiro gastos em salões de embelezamento...
- as cirurgias para eliminar os sinais do tempo...
Como modificar isso numa sociedade voltada para o novo, o bonito, o perfeito?
A mulher na política: Você acha que Ester teria salvo seu povo, se continuasse uma mulher comum? Pela fé, por saber que a vontade de Deus não inclui sofrimento ou dificuldades para as pessoas, a mulher não deveria se colocar à disposição dele, em postos de liderança nos Municípios, nos Estados, no País? Não estará na hora de encarar a política como assunto sério para gente séria, a mulher, inclusive?
A primeira-dama. Muitas assumem esse papel, em função do marido. E, então, bondosa e piedosamente, se dedicam a organizar campanhas beneficentes: chás, bingos, desfiles de modas, shows, jantares. Tem sentido isso? Até quando os pobres, as crianças, os velhos, vão depender da caridade pública? Até quando vão ser lesados nos seus direitos?
O fato de o marido estar em posto de tamanho destaque não lhe dá condições para sugerir a elaboração de um plano que, em vez de acentuar, atenue e até elimine a aberração da existência de necessitados?
Não deveria ser ela a primeira a exigir que os recursos públicos fossem usados em benefício do povo?
Uma primeira-dama cristã pode se orgulhar de existir apenas nas colunas sociais?
Ser primeira-dama envolve privilégios ou responsabilidades?

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