sábado, 12 de janeiro de 2008

JÔNATAS, JAZEÍAS, MESULÃO E SABETAI

Esdras 10.15

Esses nomes não parecem ser de mulheres. E não são. São homens que merecem a minha admiração pela sua visão, pela sua sabedoria, pela sua coragem. São apenas quatro, mas enfrentaram os líderes e o próprio povo, com sua opinião diante de um grave problema.
Vamos aos dados históricos, para localizá-los no tempo e nas circunstâncias em que se destacaram.
O último capítulo do Livro das Crônicas registra a derrota de Judá, o Reino do Sul. O do Norte não existia mais. Tinha sido dominado pelos assírios, muito tempo antes.
O Profeta Jeremias tinha pregado, exortado, chamado o povo à fidelidade ao Senhor. Se não atendessem, anunciava que perderiam o que mais valorizavam: a terra, o Templo, o Rei.
Em 597 AC, Nabucodonosor atacou Jerusalém e levou o Rei Joaquim preso. Em seu lugar, ficou Zedequias (II Reis 24.12 e 17). Nove anos depois, Nabucodonosor, voltou, sitiou e invadiu a cidade, incendiou-a, destruiu o Templo, cegou o Rei, acusado de traição e levou o povo cativo para a Babilônia (II Reis 25.7).
Quase um século se passou.
Durante o exílio, a maioria foi fiel às origens e guardou os nomes de seus antepassados. Os versículos 21 e 34 nos dizem de 468 homens que tinham como referência apenas os nomes das cidades de onde eram o avô, ou o bisavô, que tinham vindo entre os cativos para a Babilônia.
É que muitos casaram com estrangeiras durante o tempo do cativeiro e se integraram na nova terra, adotando usos, costumes e até seus deuses. Mas muitos continuaram fiéis.
Nesse período, foram criadas as sinagogas. O local principal do culto tinha sido o Templo, construído pelo Rei Salomão, em Jerusalém. Com a destruição dele e a distância da terra natal, houve necessidade de criar locais onde a fé pudesse ser mantida, onde a língua fosse preservada, onde os textos sagrados pudessem ser lidos e estudados. Esses locais foram as sinagogas. E ali existiam também os registros das famílias. Tudo organizado para a volta a Jerusalém, quando se cumpriram as profecias de Isaías e Jeremias.
Ciro, o grande Imperador persa conquistou a Babilônia. Foi quando os exilados aprenderam o aramaico, a língua oficial do Império persa. E também receberam permissão para voltar a Jerusalém. (Esdras 1.14).
A volta aconteceu em levas. O primeiro grupo veio sob a liderança de Zorobabel, Jesua, Neemias e outros. A relação dos que voltaram está no capítulo 2 de Esdras.
Acho esse retorno emocionante. A esperança cultivada durante o longo período do cativeiro, agora era uma realidade. Quase 50.000 pessoas, cavalos, camelos e jumentos, numa imensa caravana, se puseram a caminho (capítulo 2.64-67). Vieram e trouxeram recursos em ouro e prata para a reconstrução do Templo.
Era um novo Êxodo, o povo em marcha, movido pela fé e pela esperança.
Chegando em Jerusalém, depois de lançados os alicerces do Templo, com os olhos no futuro, cantavam e louvavam ao Senhor, ao som de trombetas e címbalos. Os mais idosos choravam de emoção. (capítulo 3. 10-13).
A construção foi interrompida e no capítulo 6 já não se fala em Ciro, mas em Dario, seu descendente. Este manteve a autorização e o Templo foi edificado e dedicado ao Senhor. No capítulo 7, o Imperador persa já é Artaxerxes, que envia Esdras, o escriba. Ele veio da Babilônia a Jerusalém com a autoridade de um descendente direto de Arão, irmão de Moisés. E trouxe um decreto do Imperador, que é uma procuração com amplos poderes, até para nomear magistrados e juizes . (versículo 25).
Com Esdras veio outra leva dos exilados, liberados do cativeiro persa.
O capítulo 9 é dramático. Esdras é o líder espiritual do povo e faz uma confissão de culpa ao Senhor, humilhado porque parte do povo misturou a linhagem santa com os povos de outras terras, através de casamentos mistos. Essa era uma proibição desde os tempos de Moisés, registrada em Êxodo 34.11-16.
Esdras orou, fez confissão e chorou, prostrado diante da casa de Deus. (capítulo 10.1). Nesse ambiente de tanta emoção, um certo Secanías apresentou a sugestão de despedir todas as mulheres estrangeiras com seus filhos. Esdras continuou chorando e não comeu pão nem bebeu água, por causa da transgressão dos que tinham voltado do exílio. (versículo 6).
Foi convocada uma assembléia em Jerusalém.
Da decisão de expulsar mulheres e crianças veio a de tomar os bens de quem não comparecesse. A emoção ia num crescendo e se transformara em sentimento de rancor e de vingança.
Nesse contexto emocional, era natural que todos pensassem da mesma forma. Mas Jônatas, Jazeías, Mesulão e Sabetai tiveram a coragem de divergir.
Li cuidadosamente o texto e, em nenhum momento, há referência a uma ordem do Senhor para expulsar as mulheres estrangeiras. A decisão foi tomada em clima emocional. Era a vontade de Secanias primeiro e a do povo, depois. Todos queriam a mesma solução, com exceção dos quatro, que tiveram a sensatez de defender as mulheres.
Eles perceberam que o povo estava tentando corrigir um erro, cometendo outro erro. Na verdade, estavam condenando só uma parte dos transgressores. E o que seria daquelas mulheres, longe de sua terra, longe dos seus parentes, abandonadas à própria sorte? E as crianças, que eram filhas dos exilados?
Contei 109 homens que casaram com mulheres estrangeiras (versículo 20-44). Que fração pequena em 50.000 da primeira leva, mais os da segunda!
Ao discordar da proposta de Secanias, estavam chamando a atenção para uma realidade que estava ali, diante de todos e que não podia ser ignorada. E que a aceitação da proposta traria graves conseqüências. E que casamento envolve emoções e responsabilidade. E que pessoas não são descartáveis.
Em nossos dias, a solução seria aplicar a Lei a partir daquela data. É princípio universal que a Lei não pode ter efeito retroativo para prejudicar. Somente para beneficiar.
Esdras formou uma comissão para estudar o assunto e ela foi favorável ao repúdio às mulheres.
Entendo o problema à luz da época e da necessidade de dar o exemplo para as novas gerações. Mas houve excesso de zelo no julgar.
Que lição para os que participam de grandes assembléias! Mesmo expressando a vontade da maioria, as questões não podem ser resolvidas sob emoção. As soluções e suas conseqüências têm de ser analisadas à luz do bom senso e da justiça. A emoção pode cegar e desviar do que é certo e do que é justo.
Não posso deixar de admirar Jônatas, Jazeías, Mesulão e Sabetai. Não encontrei seus nomes entre os transgressores, o que torna maior o gesto. Não protestavam em causa própria. Foi para defender outros que tiveram a coragem de falar.
Para finalizar:
Se alguns séculos antes desse episódio, Rute fosse expulsa com seu filhinho Obede, por ser estrangeira, seu bisneto Davi jamais teria sido Rei em Israel. Nem ele, nem Salomão, nem todos os outros Reis de Judá, o Reino do Sul. A História teria sido totalmente alterada.
Dou graças a Deus porque Ele não faz acepção de pessoas nem discrimina povos, raças ou nações. Pela fé em Cristo integramos o seu povo e todos somos amados e amadas por Ele.

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