sábado, 12 de janeiro de 2008

JOQUEBEDE

Êxodo 1 e 2.1-10

É o nome da mulher de Anrão, ambos da tribo de Levi. (Êxodo 6.20 e Números 26.59). Mãe de Míriam, Arão e Moisés. Viveu no século XII AC, quando seu povo era escravo no Egito, havia quatro séculos. Os tempos eram difíceis! O povo vivia oprimido, sem direitos. De início, a escravidão era para dominar e explorar os hebreus. Na época do nascimento do terceiro filho do casal, o objetivo do Faraó era aniquilar o povo, impedindo o seu crescimento.
O novo rei mencionado no cap. 1.8, percebeu o que os escravos não tinham percebido: que eram mais fortes e mais numerosos do que os egípcios. E, então, temendo uma revolta que daria fim à escravidão e a uma exploração de séculos, primeiro determinou que as parteiras matassem os meninos recém-nascidos, simulando um acidente no parto. Depois, autorizou os egípcios a que os afogassem no rio Nilo. Talvez, nessa época, como poucas na história da humanidade, os pais tenham desejado o nascimento de meninas...
Podemos imaginar o quanto de sofrimento a ordem do Faraó determinou para as famílias. Podemos imaginar, também, a angústia das mulheres grávidas. Acostumado à submissão, o povo não reagia. Filho de escravo não tem direito à vida, decretara o Faraó.
Talvez o silêncio aplacasse a ira do governante sanguinário. O povo já vivia tão sem direitos mesmo... Talvez a ausência de reação desse fim à agressão. De que adiantaria reagir? A vingança seria pior. Quem poderia modificar a dura realidade que viviam? Ninguém, evidentemente.
A maioria do povo talvez pensasse assim. A maioria das mães talvez não fizesse outra coisa, além de chorar e de se lamentar. A maioria, menos Joquebede, que escondeu seu filho, tão bonito, por três meses (cap. 2.21). E, embora da mulher não se esperassem boas idéias, foi ela quem descobriu um meio de salvar a criança. Ou, em outras palavras, foi a ela que Deus inspirou, atendendo às suas súplicas, certamente.
O interessante é que Joquebede não usou da força para lutar contra a força. Mais poderosa do que a força física é a força da idéia. É na inteligência que estão concentradas as energias capazes de vencer o mal. E ela usou uma dessas energias: a imaginação.
Já se disse que a imaginação é a louca da casa. Pode ser. Se ela nos levar a criar circunstâncias, fatos, casos que tomamos como verdadeiros e que prejudicam o nosso relacionamento com os outros. Mas pode ser, também, um meio de atingirmos objetivos, de alcançarmos bênçãos. Foi o caso de Joquebede. Usando a imaginação, fez o cestinho, calafetou-o e, pondo nele o menino, levou-o para o rio, no lugar onde a princesa costumava se banhar. Deixou Míriam cuidando, instruiu-a sobre o que fazer e dizer. Esboçou e executou todo um plano de ação. A imaginação pode nos levar a desconfiar das pessoas. Não foi o que aconteceu com Joquebede. Ela revelou, em todos os momentos, uma grande confiança.
Confiou em Deus, sabendo que haveria de proteger o menino. E, ainda que Deus não seja mencionado no episódio, é evidente que Ele inspirou e dirigiu toda a ação. A salvação de Moisés fazia parte do plano de Deus para salvar o povo da escravidão. Confiou em si mesma, pois percebendo a realidade, enfrentou-a e tomou providências . Não ficou a se lamentar. Agiu.
Confiou na filha, menina ainda. Faríamos o mesmo? Confiaríamos em uma criança? A primeira providência que tomamos não é afastá-la dos problemas? Joquebede integrou-a no plano. Confiou no seu amor pelo bebê. Tornou-a peça importantíssima na salvação do irmãozinho.
Confiou na princesa e nos seus sentimentos, mesmo que nada autorizasse essa confiança. Não era ela filha do rei? E se fosse ruim como o pai? A herdeira do trono não tinha um filho. É evidente que ela percebeu logo, a origem do menino. Ela conhecia a ordem do Faraó e sabia do destino reservado às crianças daquele povo. Mas compadeceu-se e correspondeu à expectativa de Joquebede.
E Moisés teve sua vida salva das águas que deveriam ser o instrumento de sua morte. O prêmio da mãe de Moisés, a recompensa pelo seu procedimento confiante, foi criar o próprio filho, cuidar dele, não mais às escondidas, mas sob proteção.
Não terminou aí o papel dessa mãe. Confiou também no filho. Por quanto tempo pode cuidar dele? Gosto de pensar que durante o tempo em que puderam conviver, Joquebede ensinou a Moisés sobre o Deus único e verdadeiro e despertou nele o amor ao seu povo. E a tal ponto se enraizaram os ensinamentos recebidos, que Moisés não se deixou influenciar pelo politeísmo egípcio. Assimilou a cultura da época. Teve educação esmerada, de príncipe. O que a família não podia lhe proporcionar, outros o fizeram. Mas da fé em um único Deus, justo e misericordioso. Joquebede deve ter cuidado pessoalmente, aproveitando o tempo, sem desperdiçá-lo. Porque sabia que os egípcios, com todo o seu desenvolvimento e toda a sua sabedoria, não poderiam fazê-lo.
E Moisés correspondeu à confiança da mãe. Apenas exteriormente, na maneira de falar e de vestir, era um egípcio (Êxodo 2.19). Embora vivesse entre os que determinavam e aceitavam a opressão, ou dela tiravam proveito, era com os oprimidos que se identificava. E, na defesa de um deles, incorreu na ira do Faraó, tendo que ausentar-se da corte para viver em Midiã. Foi também a fé no poder de Deus que o levou a superar as deficiências pessoais. Tinha consciência de que, sozinho, não poderia enfrentar o Faraó e guiar sua gente na direção da liberdade. Pôde fazê-lo porque confiou em Deus. Mais tarde, já no deserto, várias vezes se irritou com a infidelidade do povo. E, ao vê-lo adorando o bezerro de ouro, influência, certamente, dos séculos de escravidão, destruiu-o, quebrando as tábuas da lei.
A vida de Joquebede, essa mãe extraordinária, foi marcada, alternadamente, pela ação e pela renúncia. Mas sempre pela confiança – em Deus, em si mesma e nos outros. Usando sua inteligência e seus dons, fez o que devia, com segurança e fé.
Os resultados? Um dia, o povo, que durante séculos vinha se prestando à escravidão, sem coragem de reagir, fez chegar a Deus o seu clamor.
Impressionante como a escravidão dava ao povo uma certa segurança: lugar para morar, alimento e água, oportunidade de trabalho (Êxodo 16.3 e 17.3). A terra de seus antepassados já estava ocupada por outros povos e ficava tão longe... Valeria a pena sair da civilização para conquistá-la? E se fossem derrotados, seriam escravos lá também...
Quem pode saber o que pensa um escravo que não conhece outro tipo de vida e que tem medo de lutar pela liberdade? Só depois de acontecimentos tão terríveis, como aquele da morte dos filhos, é que o povo se lembrou de clamar:
- Até quando, Senhor?
E o Senhor tomou providências para livrá-lo da opressão (Êxodo 3.7).
Míriam, Arão e Moisés tiveram participação decisiva na libertação de todo um povo. Feito do qual Joquebede também participou, embora não o tenha presenciado, pois aconteceu mais de 80 anos após o nascimento do filho que ela salvou (Atos 7.23 e 30). Porque não apenas ele foi salvo naquele dia. As novas gerações também receberam os benefícios de seu gesto corajoso.
Um dia, mais de um século depois, seu povo tomou posse da terra prometida por Deus e à qual chegou porque teve, em Moisés, o líder que necessitava para conduzi-lo à libertação. E, em Joquebede, a pessoa capaz de interferir na realidade, modificando-a.
A partir desse estudo, gostaria que o grupo analisasse o seguinte:
A necessidade de buscar uma solução para modificar mesmo a realidade mais cruel. “Não adianta nem tentar” leva à perpetuação dos problemas.
A matança dos meninos, do tempo de Moisés, e a matança dos inocentes, do tempo de Jesus, continuam. Milhares de crianças, no mundo inteiro, morrem de fome. A mortalidade infantil é muito elevada em nosso País. E não é característica apenas do Nordeste brasileiro. Mesmo nos Estados mais desenvolvidos e até em nossa bela Capital, nos depósitos de pobres que a circundam, o problema existe. Que podemos fazer, diante da realidade terrível que condena crianças à morte? Permitir que ela continue, dando graças porque nossos filhos estão a salvo, como deviam fazer os egípcios?
Em uma destas manhãs, bem cedo, fui chamada ao telefone e solicitada a ajudar na campanha “Não deixe morrer uma criança”, promovida por uma instituição em uma cidade satélite.
- Ajudo, sim. Onde é a reunião ou o comício?
- Não é reunião. Queremos uma contribuição em dinheiro.
- Mas as autoridades precisam saber que há crianças morrendo de fome, de doença, de abandono, em Brasília. Alguém precisa clamar contra isso!
- Só queremos uma contribuição.
Esmolas. Sempre esmolas. O que sobra. Não estará na hora de buscarmos uma solução junto a quem tem condições de resolver?

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