sábado, 12 de janeiro de 2008

CRISTIANISMO E TRADIÇÃO

Data – Ano 52 A.D.
Local – Cenáculo da casa de João Marcos, em Jerusalém
Personagens – Pedro e Paulo,outros discípulos,Maria, mãe de Jesus,Maria Salomé, mãe de Tiago e João,Maria Madalena,Marta e Maria de Betânia, sua irmã,Susana,a Samaritana,a mulher que Jesus salvou de ser apedrejada.
Uma cena que eu gostaria que tivesse acontecido...

Pedro – Conta mais, irmão Saulo, sobre a tua segunda viagem.
Paulo – Todos me chamam Paulo, agora. É o nome que os gentios aceitam melhor e tenho usado para mostrar que sou romano, também.
Pedro – Desculpa, não me acostumei ainda a essa mudança. É claro que, se continuasses como Saulo, tua palavra e teu trabalho seriam prejudicados. Meu nome também foi mudado, por Jesus.
Paulo – Não tem sido fácil pregar sobre o Deus único a povos que se acostumaram a adorar muitos deuses.
Pedro – Sim, um Deus que não é representado nem em forma humana, nem na de animais. Que não tem imagens ou estátuas, que eles possam colocar em nichos ou altares. Ou que possam reproduzir em ouro, prata, mármore, para acentuar a classe social.
Paulo – Mas o mais difícil está sendo com relação à moral: substituir deuses que tudo permitem e até abençoam a licenciosidade, pelo Deus que exige amor e respeito aos seus filhos.
Um discípulo – Esses povos estão habituados à imoralidade.
Paulo – Aos nossos olhos. Aos olhos deles é apenas costume. E nada há na sua moral que os condene. As famosas bacanais, por exemplo, são realizadas em homenagem a Baco, o deus do vinho. Como condenar, impunemente, o que até agora foi encarado como maneira de prestar culto, louvor, adoração e serviço a um deus?
Outro discípulo – Como ages, então?
Paulo – Seguindo a orientação de Jesus, relatada por vocês, que conviveram com Ele, não gosto de julgar ou condenar. O que faço, através da pregação, é substituir a fé em deuses mortos e distantes, pela fé no Deus vivo e presente. E ainda lhes ofereço a salvação pela fé em Seu Filho, Jesus, o Cristo.
Outro discípulo – E quanto ao demais?
Paulo – O demais é hábito, é costume, é tradição. Pode ser modificado. Se a pessoa desejar ser nova criatura, as coisas velhas passarão, serão deixadas para trás, com a antiga crença.
Pedro – Varões irmãos, a hora está adiantada. Há muito trabalho a fazer. Como disse Jesus, certa vez, a seara é grande e os obreiros são poucos. Temos de aproveitar todo o nosso tempo.
Madalena – Varões irmãos? E nós?
Pedro – Outras funções estão reservadas às mulheres, na Igreja.
Madalena – Por que? Nós também fomos discípulas!
Paulo – Mas é a tradição. Eu não permito que a mulher ensine ou anuncie as boas novas da salvação.
Samaritana – Mas eu fui a primeira a anunciar as boas novas na Samaria, depois do encontro com Jesus junto ao poço de Sicar, quando compreendi que Ele era o Cristo. E o Senhor não me repreendeu por isso...
Maria Madalena – E eu, por ordem dele, anunciei a Pedro e aos outros a sua ressurreição. Se não dissesse, não saberiam, tão cedo. Não sabiam nem onde Ele tinha sido colocado, muito menos que estava vivo.
Pedro – Mas Ele não chamou mulheres, minha irmã...
Susana – Não foi preciso. Nós o seguimos e o servimos. Nós também deixamos casa e família para aprender com Ele. Nossos nomes não são mencionados porque mulher não conta, nesta sociedade antiquada e injusta. Mas para Ele nós contávamos.
Pedro – Tem sido assim através dos tempos. Vocês querem modificar isso agora?
Susana – Por que não?
Paulo – Escandalizaria os judeus. Vocês sabem que é preferível queimar a Torah do que ensiná-la a uma mulher.
Maria – Mas podem testar os nossos conhecimentos. Que é que tem sido ensinado ao povo pelos varões irmãos?
Pedro – Que Jesus é o Filho de Deus, o prometido, o concebido por obra do Espírito Santo.
Maria, mãe de Jesus – A experiência foi minha. O anjo disse apenas a mim. Se não contasse, não saberiam.
Pedro – Ensinamos também que todo o poder lhe foi dado, na Terra como no Céu.
Maria, mãe de Jesus – E o primeiro sinal desse poder, em público, foi estimulado por mim, em um casamento, em Caná.
Outro discípulo – Que Jesus foi pregado na cruz, para o perdão dos nossos pecados.
Maria Salomé – Quem, dos ilustres varões, a não ser João, viu de perto? Não ficaram trancados em casa, com medo?
Outro discípulo – E que Ele ressuscitou, ao terceiro dia.
Maria Salomé – Nós sabemos bem. Maria Madalena foi a primeira a vê-lo.
Outro discípulo – E que Ele é a ressurreição e a vida. Quem crer nele, ainda que esteja morto, viverá.
Marta – Foi a mim que Ele disse isso, em particular. Foi num momento terrível, em que eu chorava a morte de meu irmão, Lázaro, que Ele ressuscitou. Se não contasse, como iriam saber?
Outro discípulo – Que Jesus ensinou o amor e o perdão.
Ex-adúltera – E ninguém sabe disso melhor do que eu, que fui salva do apedrejamento por Ele.
Pedro – É a lei. É o costume.
Marta – Que estavam sendo desrespeitados. A lei não manda apedrejar os dois, homem e mulher? Por que só ela ia sofrer a punição? Por que o deixaram fugir?
Outro discípulo – Ensinamos que Ele dá a água da vida a quem tem sede da Vida Eterna.
Samaritana – Mas Ele disse isso a mim e não havia ninguém por perto, pois era meio-dia! Se não contasse, ninguém saberia. E disse mais: que os verdadeiros adoradores de Deus têm de adorá-lo em espírito e em verdade. Porque Deus é espírito. Exatamente o que Paulo tem ensinado.
Outro discípulo – Ensinamos a lição da humildade. Que quem quiser ser o primeiro, seja o que sirva, pois Ele veio para servir.
Salomé – Nesse episódio eu estava presente. Foi sobre o pedido para sentar à direita e à esquerda do Senhor. Aliás, Mateus anda contando que fui eu que pedi.
Marcos – Eu digo que foram teus filhos, apenas.
Salomé – Na verdade, todos queriam um lugar privilegiado, junto a Ele. Se não, por que ficaram tão irritados?
Maria de Betânia – A mim Ele ensinou que o melhor lugar é perto dele. E que ninguém pode tirar esse privilégio da pessoa que escolheu estar junto de Jesus.
Pedro – Mas nós não recebemos apenas a ordem de anunciá-lo por toda Jerusalém, a Judéia, a Samaria e até os confins da Terra. Ele confirmou essa ordem enviando o Seu poder sobre todos nós.
Maria, mãe de Jesus – As mulheres que estavam presentes também receberam, aqui mesmo, no cenáculo da casa de João Marcos. Não éramos 120 pessoas, reunidas em oração? E o Espírito Santo veio sobre todos nós.
Pedro – Mas, como eu disse no começo, são os costumes, é a lei.
Maria de Betânia – Paulo também disse, no início, que os costumes podem ser modificados. E Jesus os modificou, muitas vezes.
Um discípulo – Quando, onde, como?
Samaritana – Não é costume falar com mulher, nem com gente marginalizada. E Ele falou comigo. Também não é costume falar nos samaritanos. E Ele contou uma parábola muito bonita, dando destaque a um homem do meu povo.
Marta – Não é costume curar no sábado. E ele curou. Disse que o sábado é instituição. Tem de estar a serviço das pessoas e não ao contrário, como é feito.
Salomé – Também não é costume colher espigas no sábado. No entanto, ele permitiu que os discípulos as colhessem para comer.
Maria de Betânia – É costume oferecer sacrifícios no Templo. Ele expulsou os mercadores e espalhou os animais. Ninguém pôde mais oferecer sacrifícios naquele dia e por um bom tempo. Os mercadores não voltaram tão cedo...
Susana – E o escândalo que causava, quando comia com publicanos e pecadores?
Marta – Tem chegado até nós as notícias do trabalho entre outros povos. Paulo acabou de falar em Lídia, em Priscila, em Febe, em Trifena e Trifosa, em Júlia e em tantas outras. Se entre os gentios a mulher ajuda, ensina, prega, é responsável pela Igreja, por que entre nós é diferente? Se temos experiências pessoais para relatar, por que insistem em dispensar a nossa ajuda no trabalho do Mestre?
Samaritana – Paulo tem alcançado sucesso contando sua experiência de conversão no caminho de Damasco...
Maria de Betânia – E o Senhor tem agido através de mulheres, mesmo entre nós. As quatro filhas de Filipe, que vivem na Cesaréia, são profetisas.
Salomé – Apelar para os costumes, para impedir o nosso trabalho, me parece incoerência. Os gentios foram liberados do jugo da lei. E tu, Pedro, disseste que nem os nossos antepassados suportavam carregá-lo.
Pedro – Sim, disse, no 1o Concílio em Jerusalém.
Maria de Betânia – E tu, Paulo, não tomaste a defesa dos gentios?
Paulo – Sim.
Marta – Pois nos liberem também! A lei, os estatutos, as regras, são apenas a consagração dos costumes, das tradições, dos hábitos. Se esses forem modificados, a lei o será também.
Madalena – Seria tão bom se nós, mulheres, estivéssemos sujeitas somente à lei de Jesus, que é a lei do amor. Esse jugo é suave e leve.
Maria Salomé – Tenho certeza de que essa é a Sua vontade. Não só para nós, mas para todas as pessoas. O cristianismo não tem de ser cópia do judaísmo. Vivemos outra realidade em que as pessoas precisam se sentir livres, porque Jesus as libertou.
Paulo – Para a liberdade e não para a escravidão Ele nos chamou. Realmente, não pode haver judeu nem grego, nem escravo nem liberto, nem homem nem mulher; porque todos somos um, em Cristo Jesus.
Pedro – Ele disse que a seara é grande, os obreiros são poucos e os campos estão brancos para a ceifa. Irmãos e irmãs: vamos todos ao trabalho, então.

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