sábado, 12 de janeiro de 2008

MAALÁ, NOA, HOGLA, MILCA E TIRZA

Números 26.33-34, 27.1-11, 36.1-13

Sei que vão achar diferentes e estranhos esses nomes, mas é preciso guardá-los. Essas mulheres foram importantes. Maalá, Noa, Hogla, Milca e Tirza são as cinco filhas de Zelofeade. Pertenciam à tribo de Manassés, filho de José e neto de Jacó. Seus pais nasceram no Egito, enquanto o povo era escravo. A lógica indica que elas nasceram no deserto, no período da caminhada rumo à Terra Prometida. Por duas razões: ainda eram jovens, solteiras e não pertenciam à geração dos que saíram do Egito. Esses não entrariam na nova terra. Nem Moisés. Só Josué e Calebe.
Zelofeade quer dizer Sombra do Medo. É um nome muito sugestivo. Talvez, ao nascer, estivesse sob a Lei do Faraó, que mandava afogar os meninos hebreus no Rio Nilo. Ou então, expressava as tensões que os pais sofriam, na condição de escravos.
O episódio a que o capítulo 27 se refere, aconteceu depois da volta dos espias à Terra de Canaã. O longo período do deserto estava no fim. Tudo estava pronto para a posse da terra. O penoso aprendizado, para transformar em povo a massa escrava saída do Egito, deveria dar resultados agora. O ordenamento jurídico, com essa finalidade, estava pronto. A Lei estava completa. E o povo estava preparado para viver sob ela, respeitando-a. Os deveres estavam estabelecidos e os direitos estavam assegurados.
Moisés podia descansar em paz.
Só que... Cinco irmãs vieram até ele. Poderiam ter convocado um homem para representá-las. Mas não o fizeram. Apresentaram-se diante de Moisés, e diante de Eleazar, o sacerdote, e diante dos príncipes e de todo o povo, à porta da tenda da congregação. (Números 27.2). Não havia nelas sombra de medo. Eram filhas da coragem. em busca de Justiça. Defendiam um direito que não estava na Lei, mas que elas queriam reivindicar. Começaram lembrando episódios do passado. Falaram no pai, que morreu no seu pecado. Mencionaram uma revolta. Vamos ter que voltar atrás, no mesmo livro de Números.
Zelofeade tivera morte natural, dentro daquela geração rebelde, que não tinha licença de entrar na Terra Prometida. (capítulos 14.2-4 e 20-38). Mas não foi executado. (Bíblia Vida Nova).
O pecado não foi só de Zelofeade, mas de toda a sua geração. O povo tinha se revoltado contra Deus. E a entrada na Terra, que poderia ter sido feita em pouco tempo, se prolongaria por 40 anos. Foi pela intercessão de Moisés que isso ocorreu. O propósito do Senhor era eliminar aquele povo. Mas Moisés pediu e Deus manteve a promessa. Apenas, não permitiu aos que viram os prodígios no Egito, usufruírem das bênçãos no novo país.
A rebelião de Coré está registrada no capítulo 16.26-35. Ele e seus seguidores estavam cheios de inveja de presunção, de atrevimento, de falsa religiosidade, de desrespeito para com a casa de Arão, porque essa fora escolhida por Deus para o Sacerdócio. (BVN) Os filhos de Coré fizeram uma insurreição eclesiástica contra Arão. Datã e Abirão fizeram uma insurreição política contra Moisés. (BVN). Coré desejava destituir Arão da função de sacerdote. Datã e Abirão queriam destituir Moisés da posição de líder do povo. As conseqüências foram trágicas. (capítulo 16.31-35). Mas as moças estavam lembrando a Moisés, a Eleazar, aos príncipes e ao povo, que Zelofeade não havia participado da conspiração e da rebelião.
No versículo 4, elas fizeram a denúncia de uma injustiça. Não é justo que o nome do nosso pai desapareça do meio do seu grupo de famílias só porque não teve nenhum filho homem. E o pedido: Dê uma propriedade para nós entre os parentes do nosso pai (BLH). A herança era para os filhos. O pai não os tivera. Como poderia passar para outros o que legitimamente lhes pertencia? Por que as filhas de um pai rico seriam condenadas ao desamparo e à dependência da caridade alheia?
Moisés ouviu com atenção e foi consultar o Senhor, levando-lhe a causa.
Vale a pena transcrever a sentença do Juiz Supremo: O que as filhas de Zelofeade estão pedindo é justo. Você deve dar a elas uma propriedade entre os parentes de seu pai. A herança do pai deve passar para elas. (versículo 7 da BLH). E acrescentou outros parágrafos, muito importantes. Que vitória! A Lei serviria não só para o benefício delas, mas se estenderia a todas as mulheres na mesma condição, a todas as filhas – herdeiras, no presente e no futuro.
Quero destacar a figura de Moisés. Estava com 120 anos. Nós, que conhecemos a continuação da história, sabemos que morreria em breve.
Poderia ter dito:
- É a Lei, minhas filhas. Tem de ser cumprida. Vocês não podem querer mudá-la. Mulher não tem direito a herança. Indefiro o pedido.
Ou então:
- Elaborar essa Lei me deu muito trabalho. Estou velho e cansado. Nada posso fazer. Paciência.
Ou ainda:
- Estamos às portas de Canaã. Estamos às vésperas de entrar na Terra Prometida. Não vou mexer na Lei agora. Meu sucessor resolverá isso. Ele verá o que pode fazer.
Não foi assim que Moisés falou. Com a sabedoria de uma pessoa temente a Deus, consultou o Senhor para a solução do problema. O verdadeiro líder não existe para impor a sua vontade ou para transferir responsabilidade. Também não pode perpetuar injustiças, estando ao seu alcance corrigi-las. E, por maior que seja, não pode perder a humildade diante de Deus.
Deve ter dado muito trabalho acrescentar novos parágrafos. Mas a Lei foi mudada. Deus ordenou e, mais uma vez, Moisés cumpriu. A Lei era boa, mas era injusta. Tinha de ser reformulada. A Lei era boa, mas discriminava. Tinha de ser reformada. A Lei era boa, mas suprimia direitos. Tinha de ser alterada. O nosso Deus é justo. Não é omisso na garantia dos direitos.
Essa é a primeira parte na história de Maalá, Noa, Hogla, Milca e Tirza, mulheres corajosas e conscientes dos seus direitos. Com a ajuda de Deus, venceram. Mas a história continua. No capítulo 36 elas aparecem de novo. Os integrantes de sua tribo se sentiram ameaçados. Ficaram com medo de que seu quinhão fosse diminuído, se elas casassem e os maridos fossem de outras tribos. Novamente a Lei foi alterada. Mais uma vez a realidade social impôs mudanças na Lei.
Seus nomes diferentes e estranhos foram mencionados várias vezes na Bíblia. Merecidamente.
Elas nos ensinam:
- As leis devem ser analisadas e revisadas, periodicamente. No País, nas Associações, nas Igrejas. Muitas vezes consagram tradições e costumes que não fazem mais sentido. Ou contém cláusulas discriminatórias. É preciso, então, reformá-las e aperfeiçoá-las. Se o caso for levado a Deus, Ele inspirará as mudanças. Com toda a certeza.
- Não se abre mão de direitos. É preciso clamar. É preciso buscar. É preciso confiar na Justiça, humana e de Deus.
Esse fato ocorreu há mais de 3.000 anos. Que solução avançada! Ponto para a Legislação mosaica. Ainda hoje, em muitos países, as mulheres não tem seus direitos reconhecidos e respeitados.
Uma notinha final. Nem todos os filhos de Coré desapareceram. Havia outros, além dos 250 que morreram. Talvez não tivessem participado da revolta. Entre seus descendentes, está Samuel, grande Profeta e Juiz (I Crônicas 6.22,27 e 28). Também os cantores e inspirados poetas, autores dos Salmos 84, 85, 87, 88.

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