sábado, 12 de janeiro de 2008

EVA

Gênesis, capítulos 2, 3 e 4

Eva quer dizer vida. O nome da primeira mulher foi-lhe dado pelo primeiro homem por ser a mãe de todos os seres humanos. (Gênesis 3.20). O dele, Adão, é o mesmo que homem, no sentido de ser humano. (Gênesis 5.2).
Leio na Bíblia na Linguagem de Hoje: em hebraico, a palavra Terra (adamá) é parecida com ser humano (adam).
A criação do homem e da mulher é uma das histórias duplas que o Gênesis contém. Quando os escritos sagrados receberam sua forma definitiva, um grupo de sacerdotes contava a estória de forma reduzida e breve conforme está no capítulo 1.27. Outro grupo acrescentava detalhes na formação do homem (capítulo 2.7) e da mulher (capítulos 2.21 e 22). Na impossibilidade de escolher uma só, decidiram incluir as duas maneiras de narrar.
É interessante notar que tudo foi criado pelo poder da palavra de Deus. Ele dizia e acontecia. Para Adão, ele tomou pó da terra e moldou-o. Deu-lhe forma, primeiro, depois soprou nas narinas o fôlego da vida. Talvez esteja aí a origem do amor de Deus pelo ser humano, que é fôlego do seu fôlego. Não é só sua imagem e semelhança, mas veio da respiração do próprio Deus.
Adão foi o último ser criado. E era, também, a culminância da criação. Habitava um Paraíso, estava cercado de belezas e riquezas. Mas não era feliz.
No final de cada período da criação, que no Gênesis aparece como dia, o Senhor achava bom, bem feito, correspondendo exatamente ao que esperava, ao que desejava. Mas não gostou de ver o homem só.
Moisés diz no Salmo 90.4 e Pedro repete em sua II Carta 3.8, que mil anos são como um dia para o Senhor. Se Adão passou um dia sozinho, foram mil anos de solidão. Era natural que estivesse triste e, como Deus, não achasse bom.
O texto sagrado nos diz que para o homem, não se achava uma ajudadora que fosse como a sua outra metade. E Deus criou Eva. Agora a criatura não veio de uma ordem, nem do pó da Terra, mas de uma parte do homem.
É bastante conhecida a imagem de que Deus não a tirou da cabeça, para que não dominasse o homem. Nem a tirou dos pés para que não fosse dominada por ele. Tirou-a do lado, porque desejava que ela estivesse no mesmo nível e fosse sua companheira.
E a forma como Eva passou a existir foi a seguinte: Deus anestesiou Adão. Fez com que ele caísse em sono profundo (Gênesis 2.21 em diante), tirou-lhe uma costela e formou a mulher. O material era outro. Era parte do ser vivente. Poderíamos dizer que Eva foi clonada de Adão, se ela fosse uma cópia dele. Mas não é bem igual. Na essência, no fundamental, é o mesmo que ele. Na forma e nas funções é diferente.
O Senhor levou a mulher para Adão e ele ficou tão feliz, que sentiu-se inspirado a compor uma poesia: Agora sim! Esta é a carne da minha carne e osso dos meus ossos. E, acostumado a dar nome aos seres criados, acrescentou: Ela será chamada de mulher, porque Deus a tirou do homem. Compreendeu que ela era extensão dele, parte dele e recebeu-a com alegria e com amor. A partir daquele momento, iniciou-se o processo para se tornarem ambos uma só pessoa (versículo 24). E havia tanta pureza no relacionamento deles que nem perceberam que estavam nus.
O episódio que o capítulo 3 relata se refere à tentação de ser igual a Deus, à desobediência, à queda e à expulsão do Paraíso. Os detalhes são bem conhecidos e não vou repeti-los, porque o crime já prescreveu, não só pelo tempo que passou, mas porque Jesus veio. Ele anulou o pecado, levou-o sobre si mesmo e reconciliou homem e mulher com Deus. Agora vivemos a realidade do perdão e da graça. E até as conseqüências do pecado foram atenuadas, pela misericórdia de Deus.
Vou dar um passo largo em direção a outra referência a Eva, no capítulo 4. Ela teve um filho, com a ajuda de Deus. Deu-lhe o nome Caim. Vemos que Deus e o primeiro casal não ficaram inimigos. Passado o primeiro momento, em que Deus agiu com o rigor de um Pai para com o filho mais velho, o Senhor compreendeu que o pecado entrou no mundo por um momento de fraqueza, de imaturidade do jovem par e compadeceu-se dele. Em sua misericórdia, o Senhor assistiu Eva no momento em que, com dores, deu à luz o seu primeiro filho. Ela buscou socorro e Ele a ajudou.
Aqui vemos uma terceira forma, nova e diferente, no surgimento do filho do casal. Adão foi criado do pó da terra. Além do seu poder, Deus o moldou, com paciência e com amor. Eva foi criada da matéria viva de um outro ser. Novamente Deus só usou o seu poder, depois de moldá-la com paciência e com amor. Caim veio ao mundo pelo poder que Deus colocou no homem e na mulher para se multiplicarem e darem origem a novos seres. E Ele mesmo ajudou Eva, com paciência e com amor.
Um segundo filho nasceu e recebeu o nome de Abel. Passou o tempo, eles cresceram e cada um assumiu as funções de sua preferência. Abel era pastor de ovelhas e Caim era agricultor. Todos sabemos o que aconteceu. A pequena família ficou mais reduzida, porque um irmão matou o outro. A causa foi o ciúme. Muito se teria a dizer sobre o ciúme entre irmãos e suas conseqüências, sobre o tormento que acompanhava Caim e a ignorância desses sentimentos, por parte de Abel. Talvez o nascimento do menor já tenha trazido a Caim a sensação de que perdera o amor do pai e da mãe. O certo é que, na sua imaginação, fumaça foi o pretexto para que Ele eliminasse o roubador de afetos – dos pais e do próprio Deus.
O que eu quero focalizar agora é a dor desse casal. Aqui está um sofrimento maior do que perder um paraíso, maior do que o de dar à luz. Só Deus poderia assisti-los nesse momento. Mais tarde, o nascimento de Sete foi encarado pelos dois como a consolação pela perda de Abel (capítulo 4.25).
Ao encerrar este trabalho, quero comparar a dor de Eva, ao perder seu filho, à dor do próprio Deus. Ele é o nosso Pai, o Pai de toda a humanidade e tem sofrido, através dos tempos, a dor de ver seus filhos eliminando irmãos. É contra as guerras, principalmente, que quero falar. Não foi para isso que Deus nos criou. Foi para vivermos em harmonia, desfrutando das belezas e das riquezas de nosso Planeta.
Que estupidez é a guerra! Alguém cede à tentação de decidir sobre vida e morte dos outros. Já nem me refiro aos recursos usados. Machadinha, tacape, lança, ou as modernas armas, mísseis e bombas, a crueldade é a mesma. Jovens oferecidos em holocausto, campos sem cultivar e sem produzir, mutilações, sofrimento e morte. Esse é o saldo de lutas desnecessárias e cruéis. Quando o ser humano vai evoluir e deixar de lado práticas tão primitivas? Quando as espadas se transformarão em relhas de arado e as lanças em podadeiras? Quando as nações não aprenderão mais a guerra, como anunciou o Profeta Isaías? (Isaías 2.4).
E o que dizer do aborto? Novamente a tentação de decidir sobre vida e morte. Quem pode escolher os que merecem viver e os que devem morrer? Nem a sociedade nem a mãe, podem arcar com o ônus do holocausto de crianças.
Revoltante, na Bíblia, a matança de inocentes, no tempo de Moisés e logo após o nascimento de Jesus. O Faraó, Herodes e os que executaram suas ordens, passaram à história como assassinos frios e cruéis. Até hoje provocam o repúdio das gerações.
Sob que pretexto impor à mulher o sentimento de culpa pela eliminação de seu próprio filho? O controle da natalidade e a gravidez indesejada contam com recursos preventivos eficientes, que dispensam a violência do aborto – contra a nova vida que se formou e contra a própria mãe, que corre risco de morte.
Que a dor de Eva, que é a dor de Deus, seja um estímulo para se promover a paz e a proteção dos novos seres. Deus atribuiu ao homem e à mulher o milagre da vida. Não lhes compete o poder da morte. Paternidade e maternidade responsáveis são valores a serem cultivados e desenvolvidos nas novas gerações.

Nota: A atitude de Caim não existe somente entre os humanos. Foi constatada entre pássaros também. Um cientista observou que, no ninho das águias, é freqüente o filhote mais velho comer a sua porção de alimento e a destinada ao irmão que veio depois. Com isso, o segundo morre de inanição, pela fome. Ele deu a esse comportamento o nome de Síndrome de Caim e Abel.

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